3 linhas e um mundo inteiro embaixo da terra
- mnm202cg1
- 2 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 2 de jun. de 2020
Volto de metrô da escola toda terça, quinta e em ocasionais sextas feiras quando eu fico até mais tarde para observar o treino de basquete das minhas amigas ou para as reuniões do coletivo feminista. É o preço de quem mora longe da escola: a gente não tem o privilégio de ir a pé e de bicicleta e é o preço de quem não tem motorista ou pais a disposição 24/7, as vezes, eu tenho que me virar sozinha. Sempre me considerei extremamente independente em comparação aos meus amigos, afinal eu faço muitas coisas sozinhas, desde cozinhar em casa, lavar meu banheiro até o meu tão esperado retorno para casa.
Às 13h15 eu ando a Lavandisca toda até a Estação Moema, pego a linha roxa até a Chácara Klabin, a linha verde até a Consolação e depois de andar uma infinidade de rampas e escadas embaixo da terra, entro no trem final: linha amarela até o Butantã, onde minha mãe me espera do lado de uma Pague Menos, porque apesar de ser cinco minutos de casa, não é lá um lugar muito legal para eu andar sozinha. Eu levo em torno de 45 minutos nesse trajeto todo, quase nunca com pressa porque nunca tenho horário para chegar em casa. 45 minutos que poderiam ser 20, caso eu decidisse chamar um táxi ou um uber, mas se vamos ser bem honestos, estou plenamente satisfeita pagando os meus R$ 4,40.
Eu poderia falar que esse texto tem todo como objetivo te convencer a andar de metrô por ser mais barato, mas não quero mentir para vocês, leitores. Esse não foi nem o motivo para eu começar a andar de metrô em primeiro lugar e meu pai, passados quase dois anos nessa rotina, ainda acha um absurdo uma garota de 16 anos no metrô paulistano às vezes no horário do rush, às vezes com ele completamente vazio. Eu ando de metrô pelo simples fato de que eu adoro.
Nem sempre foi assim, no entanto. Em 2018, quando eu entrei na Móbile depois de ter estudado a vida inteira em escolas perto de casa, eu tive que lidar com um conceito muito abstrato para mim: trânsito. Saímos do Integral de quarta-feira às 18h15 e eu levava, pasmem, duas horas para chegar em casa. E aí eu tive uma epifania que mudou a minha vida completamente: e se eu voltasse de metrô?
No começo, tenho que falar a verdade, ficava bem incomoda. Era uma daquelas pessoas com cara de nojo 90% do tempo, que não quer tocar em nada e que andava com a mochila pra frente. Com o tempo, entretanto, fui me acostumando; a cara de nojo foi substituída pela face minimamente mais amigável, eu já não me importava tanto com a mochila e segurar nas coisas tinha passado a ser uma questão de sobrevivência. E eu comecei a gostar.
Acho que o momento que eu pensei “puxa, isso aqui é muito legal” foi quando eu percebi que, as 18h15 no primeiro vagão da Estação Moema sentido Chácara Klabin estavam sempre as mesmas pessoas. Pessoas que, todas as quartas-feiras, eu cumprimentava com um sorriso singelo que dizia “ei, eu lembro de você!” e elas correspondiam. Eu passei a não precisar mais segurar nas coisas e perdi completamente a vergonha na cara para puxar papo com as senhorinhas para quem eu cedia o lugar ou pras criancinhas que sorriam pra mim.
Minha mãe, uma paulistana de marca maior, me falou que eu só seria uma verdadeira metroviária quando fizesse as três seguintes coisas: chorasse no metrô, fizesse uma amizade no metrô e por último mas não menos importante, tomasse um belo capote.
A primeira vez que eu chorei no metrô (e eu lembro desse dia vividamente) foi quando eu tinha ido terrivelmente mal numa prova do Rogério no 9 ano e estava estressadíssima com as coisas da escola. As pessoas me olharam esquisito, mas não demorou 5 minutos para que uma delas me perguntasse se estava tudo bem.
A amizade no metrô também já aconteceu: lá estava eu na linha verde indo para a Consolação, sentada do lado de uma menina com uniforme do Dante e começamos a conversar, trocamos telefone e hoje nos encontramos em festas por aí e sempre lembramos disso.
E bom, a história do capote, honestamente foi o momento de maior vergonha da minha vida. O trem da linha amarela freou do nada e eu, distraída com o meu exemplar de “Sociedade do Anel”, voei. Voei mesmo, caí em cima do meu pulso e o segurança me levou até um kit de primeiros socorros. Me surpreendo como não tem vídeo na internet disso, aposto que um dia ainda vou achar nas páginas de meme.
O metrô não é um lugar perfeito; já perdi a conta de quantas vezes tive que dar cotoveladas nada delicadas em caras que simplesmente não entendem que o meu corpo não é público. Mas, para mim pelo menos, não tem um lugar tão significativo que a gente possa experienciar São Paulo.
Engraçado, não? Nessa época de isolamento social, acordei pensando que a única coisa que eu queria fazer hoje era andar de metrô.
Laura
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