Carta de amor ao Butantã
- mnm202cg1
- 2 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Outro dia quase voei na garganta de uma amiga minha moradora de Moema que falou que os pais dela não deixavam ela vir para uma feira aqui perto da minha casa porque era, palavras dela, “afastado”.
Nessa onda de Móbile na Metrópole, fiquei muito incomodada, porque aparentemente o Butantã é afastado e perigoso para galera de Moema. Acho que essa foi a minha motivação para escrever esse meu relato sobre o lugar que é, argumentavelmente, um dos meus preferidos no mundo.
Passei a vida inteira aqui, meus pais moraram aqui quando eram pequenos, se conheceram em um colégio aqui. Minha primeira casa foi aqui, embora não tenha sido exatamente uma casa, porque era eu, meu pai e minha mãe num quarto na casa da minha vó.
O Butantã, mais especificamente o Jardim Bonfiglioli e a Vila Gomes, foi o lugar em que eu pude, em plenos 2009, empinar pipa na rua. E andar de bicicleta a milhão na ladeira da casa da minha vó. E passar 18 horas desaparecida na feira escondida embaixo da barraca de frutas e quase provocando um ataque cardíaco na minha vó.
Fica pior. Passados 16 anos, ainda vou no mesmo mercadinho onde a moça do caixa fala toda vez “eu lembro quando você vinha aqui pequeninha com a sua vó”. Ouso dizer que todo mundo aqui conhece a minha avó, eu brinco que ela é quase a prefeita porque é simplesmente impossível andar na rua sem ela cumprimentar alguém.
Minha mãe fala que esse lugar ficou preso nos anos 80. A casa que ela morou quando tinha minha idade ainda é exatamente a mesma: com o portão da altura do meu joelho e os ladrilhos antigos. Chegamos a essa conclusão porque, com 28 anos de diferença, eu e minha mãe tivemos basicamente a mesma infância, brincamos nas mesmas ruas, frequentamos as mesmas lojas, descemos as mesmas ladeira de carrinho de rolimã e ralamos os joelhos nas mesmas calçadas.
Mas ainda nem cheguei nas minhas quatro partes preferidas do bairro.
A primeira é a praça Elis Regina, porque afinal se o nome da praça é homenageando a maior cantora que esse país já viu, não tinha como ser um lugar ruim e também porque eu tive um casamento lá (e eu descobri que casamentos podem ser realizados em praças) e foi incrivelmente lindo e eu chorei copiosamente.
A segunda é a Escola da Vila, o lugar que eu estudei por 7 anos da minha vida (um recorde) e é uma mistura de escola e floresta (na minha cabeça presa na perspectiva de uma Laura de 6 anos).
A terceira é o Instituto Butantã, o lugar que eu fazia piqueniques todos os domingos, que eu tomei todas as minhas vacinas e o lugar que eu pedi para votar agora que tenho um título de eleitor.
E a última e essa é extremamente importante para mim, é a USP. Acreditam que eu descobri que tem pessoas nessa cidade que nunca e, eu repito, nunca pisaram na cidade universitária? Para mim isso não parecia possível, mas aparentemente é.
Se tem um lugar que eu conheço como a palma da minha mão é o campus do Butantã. Talvez seja porque meus pais, uspianos, sempre fizeram questão de me levar para lá todo fim de semana, me mostrando cada mínimo detalhe. Cada faculdade, cada biblioteca, cada ponto de ônibus. E morando aqui perto, é o lugar que eu vou para passear com a minha cachorra e nós duas nos divertimos muito.
É difícil escolher meu lugar preferido lá dentro, talvez seja a Rua do Matão, porque é sempre uma vitória descer ela de bicicleta sem morrer ou a praça do Relógio que fica linda com os baterias. Embora, recentemente eu tenha percebido a quantidade de tarântulas nos postes e nos pontos de ônibus e quando eu passo me dá calafrios. Mas eu tenho que admitir que eu tenho um fraco pela FAU. Possivelmente porque a Laura de alguns anos atrás queria ser arquiteta e ficava olhando aquele lugar como se ele fosse o mais mágico do planeta, mas acho que é pelo fato de que foi ali, na valeta gigante que tem ali na frente (e ninguém sabe como surgiu, embora existam lendas urbanas a respeito) que eu aprendi a andar de bicicleta.
Preciso perguntar que tipo de lavagem cerebral meus pais queriam fazer comigo, mas posso dizer com toda a certeza que funcionou, porque a única certeza que eu tenho na minha vida até o momento, apesar de não saber que curso eu quero fazer, é que ano que vem eu vou estar radiante prestando Fuvest para tornar esse lugar ainda mais especial para mim.
Amigos que estão lendo isso e estão completamente perdidos e/ou curiosos, me ofereço como guia turística, viu? Só basta abrir seus horizontes para lugares “afastados”.
Laura
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