O bloqueio
- mnm202cg1
- 21 de ago. de 2020
- 5 min de leitura
Tenho um documento no Docs nomeado carinhosamente de ‘meu mnm’, com o pronome possessivo mesmo. Apesar de termos uma pasta extremamente organizada - com pastas e mais pastas dentro de outras pastas e centenas de documentos - prefiro ter um documento só pra mim; o lugar em que eu posso permitir a criatividade rolar solta sem que meus colegas vejam. Esse texto aqui está sendo escrito na última página do dito docs, que acumula onze páginas na fonte Lato tamanho 10. O que, por sua vez, indica que eu realmente viajei na maionese e escrevi vários e vários textos e o único publicado até então é precisamente esse daqui.
Sempre amei escrever, era uma das coisas que, mesmo na escola, nunca parecia uma tarefa, obrigação ou responsabilidade, só o puro e genuíno prazer. Não sei se escrevo bem e nunca procurei saber. Talvez porque se me falassem que eu sou péssima, eu ia encontrar muita dificuldade em voltar a fazer uma coisa que eu tanto amo e eu não posso me dar o luxo de perder esse conforto que eu tenho de, pelo menos tentar, transpor o que eu sinto para um papel ou para uma tela de computador.
Estou acostumada a fazer isso e vejo muitos amigos e amigas que falam que tem uma escrita quase que robotizada que muitas vezes não permite o tom de subjetividade, desabafo ou relato. Eu, no entanto, encontro dificuldade em justamente não colocar uma pitada minha nos textos que escrevo que, inevitavelmente, sempre acabam falando algo sobre mim. Acho que é uma coisa internalizada, quase, já que minha mãe - uma psicóloga para crianças e adolescentes, acreditem em mim esse é um fato muito importante para a minha construção de personagem - sempre me incentivou a escrever diários. Nunca cheguei a contá-los, mas os mais velhos datam do final de 2010 e me acompanham até os dias de hoje.
Um dos meus muitos passatempos nessa quarentena foi me aventurar pelas palavras - e a ortografia péssima - de uma Laura de anos atrás. Ler angústias sobre os temas mais banais, como as três páginas que eu escrevi em setembro de 2011 sobre como eu estava chateada com o meu pai porque ele não conseguiu consertar o dvd e meu exemplar de “High School Musical 3: Ano da Formatura” tinha ficado preso lá dentro. Ler sobre minhas amizades, sobre as brincadeiras do recreio, primeiros amores e todas essas coisas que aquecem o coração e me fazem querer voltar no tempo onde tudo era bem mais simples.
Escrevo diários até hoje, num ritual sagrado de deitar na minha cama, abrir as janelas e deixar o meu coração falar mais alto do que a racionalidade. Infelizmente, os meus ressentimentos atuais pouco se assemelham com o ocorrido do dvd de High School Musical (o aparelho de dvd explodiu e o dvd queimou quando, depois de muitas insistências, meu pai foi tentar arrumar) e acho que eu estou escrevendo isso com um aperto no peito; eu sempre falei que não queria crescer. Não é a toa que um dos meus livros preferidos é Peter Pan, não é mesmo?
Na quarentena, escrever ocupou o lugar que, antes de tudo isso, o mundo de fora ocupava: um refúgio e, principalmente, um melhor amigo. Eu sempre fui uma daquelas pessoas que não parava em casa e entrava no metrô e ia até a última estação porque não tinha nada para fazer. Sempre senti um conforto estranho em lugares lotados, em ruas movimentadas e esse tipo de coisa, ao mesmo tempo que sempre adorei a praia, as árvores e a estrada. Perdi tudo isso.
Escrevi o que foi apelidado carinhosamente de ‘diário da quarentena’, a partir do meu primeiro dia de isolamento em 16 de março e, desde aquele momento até então, acumulei uma série de seis cadernos (daqueles básicos de diário mesmo) repletos de pensamentos, de memórias, músicas e poemas insanamente pessoais. Acho que nunca, nos passados agora 17 anos da minha vida, eu me entreguei tanto como eu fiz nesses últimos meses.
Chegou um momento, alguns dias antes do meu aniversário, que na hora de cumprir o meu sagrado ritual, eu não consegui escrever absolutamente nada. Nenhuma palavra, nada. O mesmo aconteceu no dia seguinte, no depois e assim sucessivamente. E desde então, os diários estão completamente vazios. E é por isso que eu também não escrevi nada para o blog. Vários textos - dos mais diferentes temas e que muito partiram de viagens minhas na maionese - começaram a ser escritos, mas nunca foram terminados. Foi como se, do nada, todas as palavras que eu já conheci desaparecessem por completo.
Esse texto aqui não é uma justificativa, embora soe bastante como uma. Acho que foi mais uma tentativa - talvez falha, talvez não -de falar o que eu tô sentindo, afinal o blog é um pouco para isso né? Não sei o que vou fazer a respeito e, principalmente, não sei se existe algo que eu possa fazer. Só esperar.
E, talvez, o meu bloqueio criativo seja o reflexo perfeito de 2020, que pode ser resumido singelamente em uma única palavra: impotência. Me sinto completamente impotente todos os dias ao ver o jornal, ao falar com meus amigos e é uma angústia muito maior do que eu consigo descrever em palavras ver tudo tão errado, tão confuso e não poder fazer absolutamente nada verdadeiramente impactante a respeito, só esperar que pessoas mais importantes que eu façam. E, não que seja alguma novidade: elas não fazem. Ou fazem e pioram tudo.
De qualquer jeito, eu continuo aqui , isolada em casa, sem nenhuma perspectiva de ‘mundo normal’. Queria muito falar que é gratificante saber que eu tô fazendo a minha parte em colaborar para saúde pública e que isso é o meu ato político, mas posso ser bem sincera? Me sinto uma trouxa sabendo que são as poucas as pessoas que, assim como eu, ainda tão respeitando o isolamento como deveriam. E eu não posso fazer nada a respeito.
Se um gênio da lâmpada aparecesse na minha frente agora meus três desejos seriam basicamente os seguintes: paz mundial, resolução da situação do Coronavírus e, sim, eu seria um pouquinho egoísta e pediria para voltar a escrever. Porque, escrevendo, eu não me sentia tão fraca perante ao mundo como eu me sinto agora e, verdadeiramente, isso é tudo que eu quero.
Ps. Relendo isso eu fiquei “uau um pouco pesado”, mas justamente por causa do bloqueio (ele me persegue) não tenho capacidade de reescrever ou repensar a postagem. E acredito que as vezes ouvir que as coisas não tão fáceis é necessário, assim como é escrevê-las. Numa tentativa honesta de aliviar o clima, deixo aqui recomendado uma das minhas músicas preferidas: Fine Line do Harry Styles. Curiosamente, a música cuja a última frase está tatuada na minha costela esquerda como um lembrete. Mesmo não sendo vidente nem nada disso, acredito que, no final, tudo sempre fica bem. A esperança é a última que morre, né?
Laura
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